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E assim reabriram as creches

Ao fim destes meses em confinamento, sinto que algo começa a estalar em mim. Não um quebrar visível,  não há o som cristalino do copo de vidro que cai da bancada e se estilhaça no chão.
Será antes como uma fissura... uma pequenina fissura, que mal se vê, que não deixa verter água, mas que existe, e aos poucos, tenta crescer. Uma fissura que sinto mas tento ignorar. 
Não posso dar-me ao luxo de a tornar visível, é preciso continuar funcional. Mas ela está lá. Não todos os dias, não a toda a hora, mas em pequenos gestos ou situações. 
Quando toda esta situação nos atirou para casa, numa quarentena generalizada, havia medo, havia ansiedade. Havia toda uma situação desconhecida que destabilizou a realidade conhecída e nos obrigou,  a todos, a descobrir e criar novas regras.
Tele-aulas, Tele-escola, Teletrabalho, Família junta 24*7, Famíliares afastados apesar da presença do video.
Com mais ou menos resistência, todos encontramos um ponto de equilibrio e, durante semanas, fomos heróis e heroínas de pijama, cada um de nós a salvar o mundo do conforto do sofá.
Batemos palmas com os números "pequenos" de novos casos de Covid 19 em Portugal, suspirámos de alívio por não constarmos da estatística dos países mais afetados.  
Num  reality show registado em "Tik.Toks", dançámos, cantámos à janela, vimos diretos com o Bruno Nogueira, pusémos arco-írirs à janela. Que orgulhosos nos sentímos! Somos todos responsáveis pelos resultados! Quem diría que era tão fácil salvar a população?!
Como criticámos em posts acessos no twitter e facebook, as notícias de Itália, com os governadores nas ruas a mandar toda gente para casa. Cambada de acéfalos! Mas não saberão que temos todos que manter-nos socialmente afastados?

Depois, os números começam a subir. Não os da pandemía. -Essa estava confinada no nosso confinamento. - Mas sobem os números de desemprego, sobem os números de empresas a pedir ajuda. 
É preciso reabrir a economia. -Mas como?! Andámos a dizer a toda gente que não saísse de casa!  - É pá, faz-se como fizémos com as máscaras! Faziam mais mal que bem mas agora já dissemos que têm que usar sempre que vão a um sítio fechado, ou apanham multa!  

E, de modo iluminado, voltam à escola os bebés. Porquê esses e não os mais velhinhos? 
Bem, 1º porque é mais fácil manter o distanciamento social... porque eles não partilham chuchas, nem dão abracinhos e miminhos... 
Note-se que é verdade que sabem claramente brincar sozinhos! Até aos 3 anos a ideia da partilha não existe... Mas isso não quer dizer que se mantenham sozinhos... Mas dá jeito que sejam estes dos primeiros a voltar. 
Façamos o racional imaginando uma conversa, com o devido distanciamento social, claro, entre as partes interessadas do nosso governo... 
- Bem, vamos lá ver. Se queremos os pais a trabalhar, as crianças têm que ser "empandeiradas para qualquer lado!
- Vão para os avós!
- É pá não senão começam a tombar os velhotes, o pessoal assusta-se e já não volta ao trabalho!
- Então, e se dissermo que se descobriu que não se pega nada aos avós, desde que os bebés estejam de chucha?
 - Gosto da ideia. Vamos manter em aberto essa possíbilidade!
- Olha! Já sei! Vamos manda-los para a escola! Temos imensas educadoras em Layoff a custar dinheiro ao estado. Os pais já andam todos a ponderar dar shots de tequilla aos miudos para os adormecer, junta-se o útil ao agradável e pronto! Já podem os pais ir trabalhar!
 - É pá! Essa é das boas! Gosto à brava! Dava-te um abraço mas é melhor ser só uma cotovelada! Toma lá! 
- Pronto, avancemos! Vamos preparar terreno! Passem lá a mensagem que os catraios afinal não são transmissores!
- Mas, mas, nós já dissémos que eram altamente contagiosos!
- Cala-te e faz como digo! Já está tudo habituado às nossas contradições e a esta hora, de tão fartos que estão dos míudos, os pais vão pagar de sorriso nos lábios para que as creches os aturem! 

Um dos muitos cenários em que viabilizo a tomada de decisão sobre as crianças pequenas retomarem a escola.
Não o faço com critica aos pais. Cada família fez o que sentiu ser melhor para o seu caso. Acredito que haja meninos e meninas a precisar muito do convívio, acredito que haja pais sem escolha que não seja levá-los à escola, acredito que não há uma só verdade, mas tantas quantas as famílias que tiveram que tomar ontem a decisão de levar as crianças à escola.  ( Ontem, ou dia 18/05 para alguns )

Pensei muito na opção. Para cada argumento sim, encontro três não. 
Estou, ainda, em teletrabalho. Enquanto assim estiver, eles estão comigo. Os três. Com as suas alergias, com os seus problemas respiratórios, o mais protegidos que conseguirmos, enquanto conseguirmos.
Não há respostas claras, não há diretrizes claras. 
A informação é dada e reformulada como se fossemos marionetes que recebem o tom pelo qual devem dançar.
A otimista em mim, sente cada vez mais o arranhar de alguém diferente, que tentar subir e assumir uma posição mais crítica, mais céptica, mais crente em teorias conspiratórias e de omissão de informação.

George Orwell, não queres vir escrever 2020?

ideias a continuar...

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