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Coisas que mexem comigo

Há alturas em que pensas e repensas e pões tudo em perspetiva.
Sou professora por vocação. Não porque não arranjei trabalho na área que queria, mas porque depois de anos em áreas menos cansativas, desgastantes, e mais bem remuneradas, dei comigo a repensar se era aquilo o que queria fazer o resto da minha vida ativa.
E não era.Voltei para a minha área e não há um dia em que não saiba que a escolha foi a correta. Apesar do cansaço, da sensação de estar sempre atrasada, apesar das inúmeras horas a corrigir trabalhos, a pensar atividades, a fazer fichas.
Não me arrependo, apesar horas de trabalho administrativo, com os relatórios, com os Rtp's, com tantos registos que divergem daquilo que devia ser o foco da profissão.

Mas, se sou professora por vocação, sou mãe pela mesma razão.
E custa-me muito, quando os mais novos estão doentes, não poder ficar em casa com eles como ficava com o mais velho.
É que do mais velho eu estava num escritório. E as pilhas de contratos e serviços podiam atrasar um dia ou dois que não havia problema por demais.

Enquanto professora, não sinto ter esse direito assegurado.
Em primeiro lugar, pela minha ética, que pretere a assistência à família, quando isso implica que dezenas de miúdos fiquem sem aula, desacompanhados, ou pouco acompanhados, durante a minha ausência. - E porque felizmente tenho uma rede familiar que pode substituir-me na maioria das vezes.

Em segundo lugar, não sinto esse direito porque mesmo não faltando, não acho que se valorize ou haja sequer consciência pelas entidades patronais, de que abdico do meu direito de assitencia à familia pela responsabilidade profissional...~
Apesar de na maior parte das vezes em que os tenho doentes ser a rede familiar a assegurar a assistência: o pai, o avô, ou a  avó, quando por circunstâncias especificas tenho eu que faltar para os acompanhar, sinto o peso de o fazer.

Como se faltasse porque quero, como se devesse ter alternativas para os deixar que não me implicassem faltar...
Como se como mãe, eu não tivesse o direito de acompanhar os meus filhos.
 Ninguém me impede de faltar, claro, mas também não há um gesto, uma palavra que implícite compreensão.
Há um encolher de ombros. Há um: ok, vá. Ou um vácuo na ausência de comentário...

Ao longo de 10 anos ligada ao ensino, este tem sido o ponto que mais me pesa. Não falto de animo leve. Quando tenho que o fazer, por consultas ou outras situações, tento fazê-lo em horário não letivo. Se falto em horário letivo, é porque não tive alternativa. E é muito, mas muito, desconfortável, sentir a recriminação, quando em consciência sei o quanto a minha ética e responsabilidade me prendem.

Talvez a minha experiência seja assim porque tenho estado no privado a maior parte do tempo...não sei.
Mas é algo em que reflito. E hoje reflito com maior fervor, por uma situação que me chegou e que nos mostra o quão frágil é o valor que temos, ou não, numa empresa.

A A., uma amiga, tem 2 filhos.
Como eu, é professora.
Como eu, tem deixado os filhos com os avós, os tios, a empregada de limpeza, sempre que adoecem.  A A. tal como eu, preocupava-se com os alunos, com a pressão do conselho administrativo, com a imagem do absentismo.
O filho mais novo teve um problema sério.
Não dava para contar com a família. Tinha que ser ela a estar presente, a acompanhar.
A A. meteu baixa. Primeiro 15 dias, depois mais 15.
Durante esse tempo, sentada à cabeceira do filho, internado no hospital,  foi enviando trabalho para a escola, planos e atividades para que os alunos estivessem a rever matéria e não se perdessem.
A A. esteve fora 3 semanas, em 3 anos.
Acabou de saber que no final deste ano letivo, o seu contrato não será renovado.
Ninguém lhe disse que o motivo é a sua ausência.
Ninguém lhe disse que o fato de o filho ir precisar de fisioterapia e ela poder  ter que o acompanhar em algumas sessões em horário letivo pesaram na decisão.
Ñão podem, Não é ético.
A A. sempre teve os maiores louvores  naquilo que faz. Mas hoje, voltou à escola,  deixando em casa um filho ainda em recuperação e ciente que daqui a  6 meses está desempregada, porque acaba o  contrato e não vão renovar.
O 4º ano  da  turma que ela acompanha desde o 1º, será dado por outro professor. Alguém que irão contratar, porque não há professores em banco na escola e porque a turma não se extinguiu.
- Até é melhor para si. Aproveita o subsidio e acompanha o menino. - Devia ela agradecer esta sugestão tão "abnegada" da direção?

Sinto-me triste, revoltada, desapontada. Por ela e por todos os pais que direta ou indiretamente, são discriminados por exercerem o seu direito paternal.



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